segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

PANGEIA


* Joel Pires

Nas últimas semanas, passei por situações extremas. Alguns aborrecimentos com serviços de provedores “combo”, por exemplo, que transferem sua ligação ad infinitum e ludibriam o consumidor num imbróglio pior que roubo à luz do dia, como se nós estivéssemos cegos. Esperei uma manhã inteira pela visita técnica; e, até agora, nada. Meu telefone não funciona! Mas nossa voz possui outros canais. O que não podemos é nos calar, embora a sórdida tentativa da imperiosa dominação tecnológica e capitalista seja anestesiar consciências, impedindo a ação, ou reação necessária ao crime camuflado. E ninguém faz nada. Mas o que é absurdo, limite ou excesso para alguns pode não ser para outros. Tudo é relativo. Ou quase! Vejo a curvatura. A relatividade depende do referencial.

À parte esse contratempo, a mesma operadora proporcionou um belo documentário. Pangeia. O mundo em transformação. A verdade pode estar na beleza do movimento. Fósseis são encontrados em lugares inesperados, como vestígios de vida no deserto, ou no gelo. O que hoje parece incólume desabará inevitavelmente. Nada dura para sempre neste planeta. Ditadores são depostos pelo povo. A beleza da Grande Muralha da China ruirá. Cidades se transformarão em pedras, cascalhos, poeira. O homem retornará ao pó. O tempo é relativo, e o que se considera eterno pode ter a fragilidade de um cisco, um átimo. O continente está se desintegrando, dizem os especialistas. Vulcões podem surgir e ressurgir. Grandes colisões são possíveis. Dinossauros foram dizimados fulminantemente. Vivemos sobre escombros.

O sol se expande lentamente antes de começar a apagar; ao passo que a lua, aos poucos, se afasta. A Terra muda neste instante. Cinzas se convertem em rochas. E rochas desaparecem. No espaço, as constelações não serão as mesmas. Estrelas morrem todos os dias. Nosso planeta é uma bola de fogo fraturada. O magma vem à tona constantemente, emergindo inclusive da água. Vivemos sobre o inferno. Fissuras, grandes transformações, erupções, lavas, devastações: a crosta expande-se e a força plástica é extrapolada. O Jardim do Éden foi construído sobre o fogo.

Tudo se move, ainda que algumas pessoas congelem seus pensamentos. Experimentei a esperança e a decepção, frustração; acreditei, confiei debalde. Que palavra estranha! No vão do mundo, posiciono-me como observador no alto de uma colina, região disputada. As Colinas de Golã pertencem a quem? Somente quem está fora da confusão consegue entendê-la melhor. Como é difícil manter-se à distância. As coisas nos atraem. A vida é pegajosa. Vontade de livrar-se de tudo isso!, alguém pode pensar. No entanto, abro a geladeira e ela está lá. A bebida de cor preta, gelada: essa coisa que tem gosto de coisa. Esse império do nada! Que parece matar a sede e que mata aos poucos.

No campo semântico do fogo, a indignação é combustível e a indiferença incendeia. Todavia, a sabedoria é perceber a contradição; e a ação posterior, liberdade.

P.S.: Enquanto a hecatombe não acontece, CELEBREMOS A VIDA! Afinal:
“Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata”.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O esotérico e a beata

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Joel Pires
 “O meu deus é diferente do seu. Minha relação com ele é pessoal. Não me escondo em liturgias e falso moralismo. O deus que eu sigo tem a humanidade daquele que se fez homem e caminhou entre nós. Não é o deus frio e distante de sua religião decadente e corrompida. É uma questão de foro íntimo e não lhe diz respeito. Por trás de saias e batinas impera a hipocrisia. É muita pretensão achar que o seu deus e sua liturgia valem para todos. O egoísmo aprisiona a fé e a faz capricho de nossa mesquinha vontade. E Deus está acima de tudo isso, não contaminado de preconceitos e teorias. Deus é sabedoria, misericórdia e graça plena. O castigo e a culpa são invenções humanas para inculcar a submissão e a segregação. Deus transcende o bem e o mal.”
Essa foi a resposta do esotérico Zaratustra a uma beata que o abordou na fila do mercado. O comércio é lugar para discutir crença? O capitalismo tem relação com a religião? Não sei se a fé desse personagem resistirá, mas parece haver coerência em sua declaração. Fé tem relação com lucidez? Acreditar no que os olhos não veem é loucura? Mas também não vemos o vento nem o pensamento. A razão é resultante da química cerebral. E a alma? Ela também teria uma base biológica? Até que ponto a genética e o meio social interferem na predisposição religiosa, ou na manifestação da fé?
Quanto a Zaratustra, não concordo com tudo o que ele diz. Eu acredito em Deus, assim como acredito no mistério. A mente humana e o universo são insondáveis. O engenho humano produz a biologia molecular; e o milagre é possível, pela fé. Cientistas se debruçam nisso. E o que se especula sobre Deus são lampejos de uma racionalidade limitada, fragmentada. A ciência ainda não se harmonizou com outros campos do saber. A psicanálise ainda é uma questão polêmica, assim como a literatura. Não há unanimidade ao se estabelecer um parâmetro científico para essas áreas.
Mas há quem reduza a experiência humana à “Potencia de existir”. Livro de Michel Onfray que prega o hedonismo: a busca egoísta pelo prazer imediato. Existem algumas variações dessa visão de mundo conforme a concepção filosófica e sua época, mas o prazer está acima de tudo em qualquer das acepções. O casamento, por exemplo, é visto como um entrave nessa busca da satisfação plena. Não é à toa que, em séries de tevê e novelas, o matrimônio é corrompido, numa “esculhambação” global.  Tire o leitor as suas próprias conclusões. O título da obra citada, além de presunçoso, é uma cilada: um sopro e a tal potência vai ao chão.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

NAVALHA



Joel Pires

Hoje revi o filme “Forrest Gump”, e o corte na carne é sempre o mesmo. O constrangimento do excesso diante da simplicidade. A fragilidade e a ingenuidade da criança que ignora a selvageria à sua volta. E ainda assim ela sobrevive milagrosamente, sob a graça de Deus. Os esforços para protegê-la não seriam suficientes, não fosse a providência divina. O perigo aparece de todos os lados e assume várias faces. Essa criança também somos nós.
Confiamos cegamente, quando a maldade nos rodeia sorrateira. Imbuídos do sonho e da esperança, teimamos em acreditar no melhor, embora a decepção seja cotidiana. Uma senhora, outro dia, numa farmácia famosa foi ludibriada, enganada. Ela tinha um “cartão de fidelidade” e confiou no vendedor achando que teria o menor preço. Eu conversei com aquela simpática idosa, D. Maria. Ela era aposentada, temente a Deus, e muito agradável. Sua fé me comoveu. Ela disse, com desprendimento e sabedoria, que sua esperança não estava neste mundo, do qual era passageira. E continuou dizendo: meu filho, eu tenho problemas, mas um dia toda lágrima secará. Não perguntei o que aquela senhora tinha. Seu vestidinho comprido e recatado lembrou minha avó, já falecida. Ela também confiava no senhor, e morreu tranquila.
Na drogaria, fui comprar um medicamento de uso contínuo, como aquela simpática consumidora. A propaganda do tal cartão é de que, em caso de medicamentos para depressão, diabetes, hipertensão etc., o desconto é garantido. Constatei que, mesmo sem ele, o preço era igual. Aquela idosa, que recebe aposentadoria, certamente abriu mão de algo também necessário como o remédio. E foi enganada. Nossa justiça é falha, mas a convicção daquela cristã fervorosa revelou tamanha força, serenidade e fé que me fez acreditar numa outra Sentença, a Divina.
Uma grande rede de drogarias faliu recentemente por usar estratégias espúrias. O Código de Defesa do Consumidor foi violado descaradamente. Todavia, a indignação move montanhas. Uma enxurrada de processos culminou no fechamento da drogaria que levava o nome de “santa”. A justiça, divina e humana, foi feita. Eu fui um dos beneficiários da decisão judicial.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Indignação


Joel Pires

Nas últimas semanas, passei por situações extremas. Alguns aborrecimentos com serviços de provedores “combo”, por exemplo, que transferem sua ligação ad infinitum e ludibriam o consumidor num imbróglio pior que roubo à luz do dia, como se nós estivéssemos cegos. Esperei uma manhã inteira pela visita técnica; e, até agora, nada. Meu telefone não funciona! Mas nossa voz possui outros canais. O que não podemos é nos calar, embora a sórdida tentativa da imperiosa dominação tecnológica e capitalista seja anestesiar consciências, impedindo a ação, ou reação necessária ao crime camuflado. E ninguém faz nada. Mas o que é absurdo, limite ou excesso para alguns pode não ser para outros. Tudo é relativo. Ou quase! Vejo a curvatura. A relatividade depende do referencial.

Ou não. A verdade pode estar na beleza do movimento. Fósseis são encontrados em lugares inesperados, como vestígios de vida no deserto, ou no gelo. O que hoje parece incólume desabará inevitavelmente. Nada dura para sempre neste planeta. A beleza da Grande Muralha da China ruirá. Cidades se transformarão em pedras, cascalhos, poeira. O homem retornará ao pó. O tempo é relativo, e o que se considera eterno pode ter a fragilidade de um cisco, um átimo. O continente está se desintegrando, dizem os especialistas. Vulcões podem surgir e ressurgir. Grandes colisões são possíveis. Dinossauros foram dizimados fulminantemente. Vivemos sobre escombros.

O sol se expande lentamente antes de começar a apagar; ao passo que a lua, aos poucos, se afasta. A Terra muda neste instante. Cinzas se convertem em rochas. No espaço, as constelações não serão as mesmas. Estrelas morrem todos os dias. Nosso planeta é uma bola de fogo fraturada. O magma vem à tona constantemente, emergindo inclusive da água. Vivemos sobre o inferno. Fissuras, grandes transformações, erupções, lavas, devastações: a crosta expande-se e a força plástica é extrapolada. O Jardim do Édem foi construído sobre o fogo.

Tudo se move, ainda que algumas pessoas congelem seus pensamentos. Experimentei a esperança e a decepção, frustração; acreditei, confiei debalde. Que palavra estranha! No vão do mundo, posiciono-me como observador no alto de uma colina, região disputada. Torre estratégica. Somente quem está fora da confusão consegue entendê-la melhor. Como é difícil manter-se à distância. As coisas nos atraem. A vida é pegajosa. Vontade de livrar-se de tudo isso!, alguém pode pensar. No entanto, abro a geladeira e ela está lá. A bebida de cor preta, gelada: essa coisa que tem gosto de coisa. Esse império do nada! Que parece matar a sede e que mata aos poucos.

No campo semântico do fogo, a indignação é combustível e a indiferença incendeia. Todavia, a sabedoria é perceber a contradição; e a ação posterior, liberdade.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

cartão, imagem, registro, fotografia... Líbano.



O GRILO

De Joel Pires

É comum perguntarem a um profissional ou estudante de Comunicação que programas ele gosta de ver. Bom, assisto a tudo: de comercial à pregação de pastor. Passeio pelos canais abertos e fechados. Aprendi, no primeiro semestre do curso, que preconceito, mais do que nunca, não deve bloquear a curiosidade necessária a qualquer pessoa, sobretudo aquela que lida com publicidade, jornalismo e audiovisual.
            Em relação à leitura também é preciso ter mente aberta, mas com a atenção devida. Leio “tudo”, de bula de remédio a textos indígenas, poemas da cultura Tupi-Guarani, por exemplo. É impressionante o tratamento dispensado aos fenômenos naturais, à cultura do sagrado, o respeito à natureza. Os povos “primitivos” não leram Edmund Burke, mas sabem que “nunca a natureza seguiu um caminho e a sabedoria, outro”. Essa Mãe universal tem sido minha companhia e mestra nos últimos dias.
            Ontem fui a uma cachoeira, Indaiá, e pude “sentir” a sabedoria e paz expressas na simplicidade das folhas brotando, no pingo que escapa da corrente e molha a flor na margem do rio. A integração com o meio ambiente propicia inspiração e bem-estar. Lavei uma máquina nova, semiprofissional, mas não fotografei nada. O registro ficou na memória mesmo. O vendedor omitiu um detalhe: a importância do cartão; disse que, mesmo sem ele, o aparelho tinha autonomia e capacidade. Para evitar discussão e contratempos, preferi “acreditar” no libanês.
            Esperteza. Não gosto do uso vulgar do termo. Esse atributo parece guiar muitos em suas atitudes mesquinhas e egoístas hoje. Mas aprendi, em Psicanálise, e na vida, que é necessário ser “esperto”. Na “arte da guerra”, é preciso ser estratégico. Maquiavel é leitura obrigatória. A sobrevivência nos move. Há “bons vendedores” passando a perna em muita gente. É ruim quando depositamos confiança em alguém e somos traídos. Apesar de tudo isso, ainda há pessoas que acreditam no ser humano. Meu objetivo é procurar aqueles que ainda não se contaminaram pelo egoísmo. É como achar ouro em garimpo abandonado.
É isso aí. O cartão é baratinho. Amanhã vou comprar um e, em breve, postarei fotos no blog, aproveitando o curso de Introdução à Fotografia. Afinal, o conhecimento passa a ter mais valor quando aplicado à realidade. Sonhos, divagações, ilações, filosofias... Tudo isso é bom. Mas, às vezes, é preciso se despir, livrar-se de toda essa carga, e andar descalço, sentir as pedras reais, o cheiro do mato, o grilo no silêncio da noite. O grilo real.