quinta-feira, 2 de junho de 2011

SISTEMA



*Joel Pires

O sistema está fora do ar:
Nova ordem mundial
Nova ordem geográfica
Nova ordem política
Nova ordem financeira
Nova ordem espiritual.

A telefonista está fora do ar:
Banco sem transação
Contas sem compensação
Negócios em suspensão
E o sistema é suspeição,
Fora de operação.

Sistema mundial, sistema planetário, sistema global.

Rádio, jornal, televisão:
Informação.
Livro, revista, manuscrito:
Multi-infoculturalização.

Subsistema, microssistema, suprassistema

Sistema límbico
Sistema nervoso
Sistema central.

O sistema está fora do ar.

Sistema econômico:
Cifras, multicifras, especulação.

O que é o sistema?
Uma desculpa, uma explicação.
Ou antissistema: uma abstração.
A entidade, instituição:
Sistema fora de operação.

Furo, erro, falha:
Sistema em desabilitação.

Novo sistema lingüístico:
Falante-ouvinte em comunicação.
Verbo e gesto, decodificação.
Silêncio e expressão.

Erro é mera distração.

A origem é o sistema.
A culpa é do sistema:
O sistema da exclusão.

Núcleo, centro, síntese: Sistema Solar.
Apagão, colapso, fora do ar.
As órbitas do sistema:
O alcance, o espectro, a difusão.

Barras, códigos, senhas:
Sistema numérico. Identificação.
Fraude, dolo, dano: Infiltração.

Sistema carcerário:
Controle, cerco, prisão.

Pânico, fobia, medo
Pressão, sangue, circulação.

Bomba, válvula, miocárdio: Coração.

O antissistema: caos, desintegração.

Universo sistêmico. Indivíduo, marca, registro:
WWW.HUMANO.COM ?

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Casamento Real

Por que os olhos do mundo se voltaram para a Inglaterra nessa manhã de sexta-feira? Que importância isso tem como fenômeno da nova sociedade midiática e imagética?
Ainda há quem sonhe com castelos e príncipes. O “glamour” movimenta o alto clero das relações sociais e atrai as atenções; não pelo conteúdo, mas pela superexposição das personalidades, cultuadas pelo baixo clero. O evento tem lá sua importância histórica e precisa ser registrado; contudo, transformar o acontecimento da realeza britânica em espetáculo mundial é uma bizarrice do novo panorama sociocultural.
Todavia, o que torna esse evento algo singular é a transmissão em tempo real, reunindo todos em torno de um fato ocorrido num ponto do globo. O sociólogo canadense Marshall McLuhan utilizou o termo “aldeia global” para se referir ao encurtamento das distâncias provocado pelas novas tecnologias. Os críticos asseveram que a analogia não é pertinente, pois numa aldeia os vizinhos se falam, diferentemente do que ocorre na sociedade atual: conversamos com alguém no Japão, mas não conhecemos quem está ao nosso lado. Outro termo também utilizado por esse teórico dos meios de comunicação é a expressão “prótese técnica”. Nosso olhar muda, e nossas sensações também. E isso não é pouca coisa. Além da família e da escola, a mídia constitui uma instância educativa – ou deveria –, pois ocupa espaço, tempo e mentes.
A televisão, como meio de comunicação de massa, é um importante veículo na sociedade. Mas o filósofo McLuhan não viveu para presenciar a expansão extraordinária das outras mídias, tendo o computador como ferramenta fundamental. Hoje, as redes sociais, como facebook e twitter, voltaram-se para o Reino Unido. A que papéis se prestam os meios de comunicação? É o que nos alerta Emir Sader, sociólogo e cientista político brasileiro. A manipulação aparece o tempo todo sob novas estratégias midiáticas. É preciso vender imagens, objetos, idéias e sonhos! O que está acontecendo no mundo “real” e que é suplantado pelo domínio tecnológico e capitalista?
Aqui, em Sobradinho, o espetáculo foi o amanhecer. O show de pássaros, luzes e cores, que se repete todos os dias. Essa é a magia cotidiana que está à disposição de todos que se permitem à fruição do belo. De madrugada, a aurora anunciava um novo dia no céu desenhado de azul, com a lua e uma estrela ainda a brilhar no firmamento!

Google images.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

BRASÍLIA: SÍMBOLO DE MODERNIDADE



*Joel Pires

A cidade dos sonhos de Dom Bosco surgiu imponente, ampla, moderna. No Planalto Central, erigiu-se poesia em forma de concreto armado: a graciosidade dos traços em monumentos recém-construídos. Os espectadores do nascimento profético observam os edifícios majestosos. Juscelino sorri orgulhoso de seu feito... de seu projeto político, econômico e humano.

No princípio era o pó, o cerrado, o chão. Os edifícios elevaram-se, as avenidas se estenderam, as águas contornaram os monumentos. Nasce Brasília, a audaciosa invenção. Lúcio Costa, Niemeyer, Burle Marx, Athos Bulcão, parceiros de uma obra universal. A geografia circunscreve seu novo território. A história registra seu mais recente capítulo. A ciência arquiteta seu fabuloso engenho.

Vejo tudo à distância: o cenário, o horizonte redesenhado, a paisagem recriada. A arte flertou com a ciência e deu à luz Brasília, o poema-cidade. Ergueram-se catedrais, ministérios e palácios. Espalharam-se jardins, praças e viadutos. Inauguraram-se símbolos. Os edifícios não apenas abrigarão pessoas, serão cartões postais, pintura em alto relevo sob o azul-nuance-de-sonho, celestial.

terça-feira, 19 de abril de 2011

PROGRESSO E EXCLUSÃO


* Joel Pires

Copérnico inaugurou a modernidade. Esse cientista, autor da teoria do Heliocentrismo, rompeu com a tradição milenar da cosmologia aristotélica. A Terra não é mais o centro do universo. E agora? Como o homem se situa? O que fazer com nossa vaidade? Aonde nos leva a presunção? Que caminhos a humanidade percorre? O progresso tecnológico e científico é um atalho seguro? O que nos reserva o futuro? Nossos olhos já se abriram? E, se sim, o que nos ilumina?

Indagações, questionamentos: a dúvida pode ser a resposta para as questões da atualidade. Um leque de opções se abre à nossa frente. Liberdade é o que nos apresenta. Escolhemos a todo instante o rumo a seguir e nem nos damos conta da importância desse processo. O poder está em nossas mãos, mas é necessário exercitá-lo. A democracia é o instrumento que nos garante a decisão. Assim, a capacidade de escolha é nossa conquista e responsabilidade.

Carta, telégrafo, telefone, televisão, computador, fumaça. O papel, a máquina e o fogo estão à disposição de todos. Fogo simbólico, é bom esclarecer. Metaforicamente, a fumaça chama a atenção. O mundo tem acesso aos meios de comunicação. No entanto, não é raro o isolamento e a segregação. Temos espaço e voz. Entretanto, às vezes nos calamos. O silêncio também comunica. Calar-se pode ser a resposta diante do inexplicável, da tragédia, do desatino. Todavia, a injustiça se prolifera diante da resignação. A manifestação é nossa obrigação, e não apenas escolha. É preciso conhecer, conversar, agir. O esclarecimento é fundamental.

Apesar de todo o progresso que vivemos, ainda se morre de sede, de fome e de dengue. Virar uma tampa e impedir o acúmulo de água é uma ação tão importante quanto uma descoberta científica. Evitar uma morte é tão valioso quanto formar um doutor. Mas há doutores se negando a salvar vidas! Uma consulta médica, dependendo da especialidade, pode ultrapassar trezentos reais por alguns minutos de atendimento. E se o especialista for renomado, haja cifra! Sobrevive quem pode pagar.

A ironia é que os melhores médicos estudaram em universidades públicas, custeadas por nós. Aquele que morre no corredor, esperando atendimento ou equipamento, pagou o profissional que seleciona sua clientela. Essa seleção não segue o critério da preservação da vida humana, mas se dá na lógica do lucro.

Que ciência é essa que se constrói com base na exclusão?

UnB: nem tudo é destruição










*Joel Pires

Apesar de ter sido destaque na imprensa o prejuízo da inundação no Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília, o campus universitário abriga prédios modernos e diversos projetos em construção. Nas redes sociais, infelizmente alguns desinformados se arvoraram em questionar a qualidade da instituição. Uma coisa é o prédio, físico; e outra é a competência docente, humana. O que faz da UnB uma das melhores do país é a tríade: ensino, pesquisa e extensão.


Esse projeto de expansão da universidade tem o objetivo de atender ao número crescente de alunos, graças à política de acesso ao ensino superior visando à equidade do processo seletivo. Uma parte da população permanecia à margem do ambiente acadêmico, mas agora muitos são contemplados porque o tradicional sistema de avaliação – ultrapassado – cedeu lugar a formas mais justas de ingresso.

Por Joel Pires (texto e fotos) Especial para o Jornal de Sobr

quarta-feira, 13 de abril de 2011

CIÊNCIA E CULTURA: AMAZÔNIA














*Joel Pires

Recentemente participei de um intercâmbio entre educadores brasileiros e norte-americanos. O encontro foi promovido por uma empresa de desenvolvimento de programas educacionais em parceria com a Universidade de Carolina do Norte . O projeto – SCI-LINK – visa à interação entre estudantes e professores em atividades culturais e científicas. “O SCI-LINK é, antes de tudo, um projeto que liga cientistas, professores e estudantes, com o objetivo de transformar conhecimento científico e experiência internacional em práticas pedagógicas.” São Paulo, Brasília e Manaus fizeram parte do roteiro cultural. O grupo permaneceu por cinco dias na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, a maior reserva florestal do Brasil dedicada exclusivamente à proteção da várzea amazônica, localizada no estado do Amazonas, na região do médio Solimões. O programa compreendia atividades diversas como palestras – WWF Brasil, por exemplo –, workshops, visitas a museus, laboratórios, exposições e centros científicos. MASP, Museu da Língua Portuguesa, Butantã, reservas ecológicas, teatros, espaços urbanos e monumentos integraram a agenda.

(*)Fotos de Christiane Gioppo - Professora da Universidade Federal do Paraná

FÊNIX


Note que a imagem de fogo, como sombra da ave, representa o Brasil.

Joel Pires*

Renascer das cinzas. Essa é a lição que a história de Fênix, um pássaro da mitologia, presente em várias culturas, nos ensina. De acordo com a narrativa, a ave fantástica entrava em combustão e renascia de seus escombros. Penas douradas e avermelhadas cobriam-lhe as asas. Trata-se de um arquétipo. O fogo purifica, renova simbolicamente. O mito tem conexão com a psique; representa a capacidade de (re) elaboração da realidade, sob a perspectiva de processos inconscientes. Seu conteúdo é forte e surpreendente; não se trata apenas de uma simples fábula. O grande pássaro mitológico vivia mais de mil anos. É símbolo de resistência, de perseverança.

A esperança é seu legado para nós. No início da era cristã, diz a Wikipédia, Fênix representava a ressurreição. Um trecho do texto reza o seguinte: “Quando lhe resta apenas um sopro de vida, bate suas asas e agita suas plumas, e deste movimento produz-se um fogo que transforma seu estado. Este fogo espalha-se rapidamente para as folhagens e madeira, que ardem agradavelmente.” Passamos por momentos de turbulências, verdadeiras provações. A Terra apresenta suas fissuras. Terremotos, maremotos, desastres. Massacres. O fogo consome. As cinzas se acumulam. Mas a humanidade tem a imensa capacidade de se reinventar. Outras crianças virão e herdarão a responsabilidade de reconstruir o mundo. Isso se abortarmos a corrida alucinada rumo à própria destruição.

Neste momento em que carecemos de explicações, quando as respostas não chegam, o mito talvez nos ajude a compreender a realidade por outro viés. O sagrado alivia a dor. A psicanálise é mais atual do que nunca, e resiste apesar de correntes contrárias. Para Domenico de Masi, a eternidade é uma compensação para a morte; assim como a beleza é uma compensação para a dor. A imagem de Fênix é bela e carregada de simbolismos, entre os quais o renascimento espiritual.

terça-feira, 1 de março de 2011

Bode Expiatório

*Joel Pires

A família, a comunidade, os grupos sociais em geral procuram inconscientemente um membro fragilizado para depositar nele suas mágoas e frustrações, assim como os seus defeitos mais ocultos e os pecados que carregam, carentes de absolvição. Por isso, o pecador matou Jesus Cristo. Isso mesmo. Não foi Caifás, não foi Pilatos, não foi Herodes. Foi, segundo a narrativa bíblica, a multidão enfurecida e insana. Soltaram o ladrão Barrabás e crucificaram a Cristo, o filho de Deus.

O exemplo se repete no decorrer da história. Vários “cristos” morreram por aqueles que não suportaram as próprias falhas, e forjaram culpados para aliviar a consciência. Por isso, caro leitor, perceba as circunstâncias e não aceite nunca ser “bode expiatório” de uma sociedade falida de valores e sedenta de culpados. Não é à toa o dito popular: “quem acusa se esconde”. E o outro “paga o pato”, mesmo não sendo o culpado. Muito cuidado! Um tropeço, e uma multidão ensandecida estará disposta a te crucificar. Mas ressoa a advertência Daquele que foi o maior injustiçado: “Atire a primeira pedra quem não tem pecado”.

De repente me vi acusado por todos e por tudo. “‘Ora (direis) ouvir estrelas! Certo perdeste o senso!’ E eu vos direi, no entanto, que, para ouvi-las, muita vez desperto e abro as janelas, pálido de espanto...”. Belo poema de Olavo Bilac, ao qual um músico acrescentou: “... enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto”.

Canto para não ser negado o meu Direito
Espanto da agressão
Canto para aliviar a dor
Espanto do ressentimento
Canto para denunciar o caos
Espanto da omissão
Canto para valer a voz
Espanto do silêncio
Canto pelas águas derramadas
Espanto pela seca ausência
Canto pelo sol a iluminar
Espanto pelas trevas da cegueira
Canto pela verdade desvelada
Espanto pela caverna oculta
Canto pela descoberta solitária
Espanto pela indiferença coletiva
Canto pelo gesto de compreensão
Espanto pela mágoa ressentida
Canto pelo valor do perdão
Espanto pela vaidade ferida!

* Google images

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

PANGEIA


* Joel Pires

Nas últimas semanas, passei por situações extremas. Alguns aborrecimentos com serviços de provedores “combo”, por exemplo, que transferem sua ligação ad infinitum e ludibriam o consumidor num imbróglio pior que roubo à luz do dia, como se nós estivéssemos cegos. Esperei uma manhã inteira pela visita técnica; e, até agora, nada. Meu telefone não funciona! Mas nossa voz possui outros canais. O que não podemos é nos calar, embora a sórdida tentativa da imperiosa dominação tecnológica e capitalista seja anestesiar consciências, impedindo a ação, ou reação necessária ao crime camuflado. E ninguém faz nada. Mas o que é absurdo, limite ou excesso para alguns pode não ser para outros. Tudo é relativo. Ou quase! Vejo a curvatura. A relatividade depende do referencial.

À parte esse contratempo, a mesma operadora proporcionou um belo documentário. Pangeia. O mundo em transformação. A verdade pode estar na beleza do movimento. Fósseis são encontrados em lugares inesperados, como vestígios de vida no deserto, ou no gelo. O que hoje parece incólume desabará inevitavelmente. Nada dura para sempre neste planeta. Ditadores são depostos pelo povo. A beleza da Grande Muralha da China ruirá. Cidades se transformarão em pedras, cascalhos, poeira. O homem retornará ao pó. O tempo é relativo, e o que se considera eterno pode ter a fragilidade de um cisco, um átimo. O continente está se desintegrando, dizem os especialistas. Vulcões podem surgir e ressurgir. Grandes colisões são possíveis. Dinossauros foram dizimados fulminantemente. Vivemos sobre escombros.

O sol se expande lentamente antes de começar a apagar; ao passo que a lua, aos poucos, se afasta. A Terra muda neste instante. Cinzas se convertem em rochas. E rochas desaparecem. No espaço, as constelações não serão as mesmas. Estrelas morrem todos os dias. Nosso planeta é uma bola de fogo fraturada. O magma vem à tona constantemente, emergindo inclusive da água. Vivemos sobre o inferno. Fissuras, grandes transformações, erupções, lavas, devastações: a crosta expande-se e a força plástica é extrapolada. O Jardim do Éden foi construído sobre o fogo.

Tudo se move, ainda que algumas pessoas congelem seus pensamentos. Experimentei a esperança e a decepção, frustração; acreditei, confiei debalde. Que palavra estranha! No vão do mundo, posiciono-me como observador no alto de uma colina, região disputada. As Colinas de Golã pertencem a quem? Somente quem está fora da confusão consegue entendê-la melhor. Como é difícil manter-se à distância. As coisas nos atraem. A vida é pegajosa. Vontade de livrar-se de tudo isso!, alguém pode pensar. No entanto, abro a geladeira e ela está lá. A bebida de cor preta, gelada: essa coisa que tem gosto de coisa. Esse império do nada! Que parece matar a sede e que mata aos poucos.

No campo semântico do fogo, a indignação é combustível e a indiferença incendeia. Todavia, a sabedoria é perceber a contradição; e a ação posterior, liberdade.

P.S.: Enquanto a hecatombe não acontece, CELEBREMOS A VIDA! Afinal:
“Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata”.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O esotérico e a beata

google images
Joel Pires
 “O meu deus é diferente do seu. Minha relação com ele é pessoal. Não me escondo em liturgias e falso moralismo. O deus que eu sigo tem a humanidade daquele que se fez homem e caminhou entre nós. Não é o deus frio e distante de sua religião decadente e corrompida. É uma questão de foro íntimo e não lhe diz respeito. Por trás de saias e batinas impera a hipocrisia. É muita pretensão achar que o seu deus e sua liturgia valem para todos. O egoísmo aprisiona a fé e a faz capricho de nossa mesquinha vontade. E Deus está acima de tudo isso, não contaminado de preconceitos e teorias. Deus é sabedoria, misericórdia e graça plena. O castigo e a culpa são invenções humanas para inculcar a submissão e a segregação. Deus transcende o bem e o mal.”
Essa foi a resposta do esotérico Zaratustra a uma beata que o abordou na fila do mercado. O comércio é lugar para discutir crença? O capitalismo tem relação com a religião? Não sei se a fé desse personagem resistirá, mas parece haver coerência em sua declaração. Fé tem relação com lucidez? Acreditar no que os olhos não veem é loucura? Mas também não vemos o vento nem o pensamento. A razão é resultante da química cerebral. E a alma? Ela também teria uma base biológica? Até que ponto a genética e o meio social interferem na predisposição religiosa, ou na manifestação da fé?
Quanto a Zaratustra, não concordo com tudo o que ele diz. Eu acredito em Deus, assim como acredito no mistério. A mente humana e o universo são insondáveis. O engenho humano produz a biologia molecular; e o milagre é possível, pela fé. Cientistas se debruçam nisso. E o que se especula sobre Deus são lampejos de uma racionalidade limitada, fragmentada. A ciência ainda não se harmonizou com outros campos do saber. A psicanálise ainda é uma questão polêmica, assim como a literatura. Não há unanimidade ao se estabelecer um parâmetro científico para essas áreas.
Mas há quem reduza a experiência humana à “Potencia de existir”. Livro de Michel Onfray que prega o hedonismo: a busca egoísta pelo prazer imediato. Existem algumas variações dessa visão de mundo conforme a concepção filosófica e sua época, mas o prazer está acima de tudo em qualquer das acepções. O casamento, por exemplo, é visto como um entrave nessa busca da satisfação plena. Não é à toa que, em séries de tevê e novelas, o matrimônio é corrompido, numa “esculhambação” global.  Tire o leitor as suas próprias conclusões. O título da obra citada, além de presunçoso, é uma cilada: um sopro e a tal potência vai ao chão.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

NAVALHA



Joel Pires

Hoje revi o filme “Forrest Gump”, e o corte na carne é sempre o mesmo. O constrangimento do excesso diante da simplicidade. A fragilidade e a ingenuidade da criança que ignora a selvageria à sua volta. E ainda assim ela sobrevive milagrosamente, sob a graça de Deus. Os esforços para protegê-la não seriam suficientes, não fosse a providência divina. O perigo aparece de todos os lados e assume várias faces. Essa criança também somos nós.
Confiamos cegamente, quando a maldade nos rodeia sorrateira. Imbuídos do sonho e da esperança, teimamos em acreditar no melhor, embora a decepção seja cotidiana. Uma senhora, outro dia, numa farmácia famosa foi ludibriada, enganada. Ela tinha um “cartão de fidelidade” e confiou no vendedor achando que teria o menor preço. Eu conversei com aquela simpática idosa, D. Maria. Ela era aposentada, temente a Deus, e muito agradável. Sua fé me comoveu. Ela disse, com desprendimento e sabedoria, que sua esperança não estava neste mundo, do qual era passageira. E continuou dizendo: meu filho, eu tenho problemas, mas um dia toda lágrima secará. Não perguntei o que aquela senhora tinha. Seu vestidinho comprido e recatado lembrou minha avó, já falecida. Ela também confiava no senhor, e morreu tranquila.
Na drogaria, fui comprar um medicamento de uso contínuo, como aquela simpática consumidora. A propaganda do tal cartão é de que, em caso de medicamentos para depressão, diabetes, hipertensão etc., o desconto é garantido. Constatei que, mesmo sem ele, o preço era igual. Aquela idosa, que recebe aposentadoria, certamente abriu mão de algo também necessário como o remédio. E foi enganada. Nossa justiça é falha, mas a convicção daquela cristã fervorosa revelou tamanha força, serenidade e fé que me fez acreditar numa outra Sentença, a Divina.
Uma grande rede de drogarias faliu recentemente por usar estratégias espúrias. O Código de Defesa do Consumidor foi violado descaradamente. Todavia, a indignação move montanhas. Uma enxurrada de processos culminou no fechamento da drogaria que levava o nome de “santa”. A justiça, divina e humana, foi feita. Eu fui um dos beneficiários da decisão judicial.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Indignação


Joel Pires

Nas últimas semanas, passei por situações extremas. Alguns aborrecimentos com serviços de provedores “combo”, por exemplo, que transferem sua ligação ad infinitum e ludibriam o consumidor num imbróglio pior que roubo à luz do dia, como se nós estivéssemos cegos. Esperei uma manhã inteira pela visita técnica; e, até agora, nada. Meu telefone não funciona! Mas nossa voz possui outros canais. O que não podemos é nos calar, embora a sórdida tentativa da imperiosa dominação tecnológica e capitalista seja anestesiar consciências, impedindo a ação, ou reação necessária ao crime camuflado. E ninguém faz nada. Mas o que é absurdo, limite ou excesso para alguns pode não ser para outros. Tudo é relativo. Ou quase! Vejo a curvatura. A relatividade depende do referencial.

Ou não. A verdade pode estar na beleza do movimento. Fósseis são encontrados em lugares inesperados, como vestígios de vida no deserto, ou no gelo. O que hoje parece incólume desabará inevitavelmente. Nada dura para sempre neste planeta. A beleza da Grande Muralha da China ruirá. Cidades se transformarão em pedras, cascalhos, poeira. O homem retornará ao pó. O tempo é relativo, e o que se considera eterno pode ter a fragilidade de um cisco, um átimo. O continente está se desintegrando, dizem os especialistas. Vulcões podem surgir e ressurgir. Grandes colisões são possíveis. Dinossauros foram dizimados fulminantemente. Vivemos sobre escombros.

O sol se expande lentamente antes de começar a apagar; ao passo que a lua, aos poucos, se afasta. A Terra muda neste instante. Cinzas se convertem em rochas. No espaço, as constelações não serão as mesmas. Estrelas morrem todos os dias. Nosso planeta é uma bola de fogo fraturada. O magma vem à tona constantemente, emergindo inclusive da água. Vivemos sobre o inferno. Fissuras, grandes transformações, erupções, lavas, devastações: a crosta expande-se e a força plástica é extrapolada. O Jardim do Édem foi construído sobre o fogo.

Tudo se move, ainda que algumas pessoas congelem seus pensamentos. Experimentei a esperança e a decepção, frustração; acreditei, confiei debalde. Que palavra estranha! No vão do mundo, posiciono-me como observador no alto de uma colina, região disputada. Torre estratégica. Somente quem está fora da confusão consegue entendê-la melhor. Como é difícil manter-se à distância. As coisas nos atraem. A vida é pegajosa. Vontade de livrar-se de tudo isso!, alguém pode pensar. No entanto, abro a geladeira e ela está lá. A bebida de cor preta, gelada: essa coisa que tem gosto de coisa. Esse império do nada! Que parece matar a sede e que mata aos poucos.

No campo semântico do fogo, a indignação é combustível e a indiferença incendeia. Todavia, a sabedoria é perceber a contradição; e a ação posterior, liberdade.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

cartão, imagem, registro, fotografia... Líbano.



O GRILO

De Joel Pires

É comum perguntarem a um profissional ou estudante de Comunicação que programas ele gosta de ver. Bom, assisto a tudo: de comercial à pregação de pastor. Passeio pelos canais abertos e fechados. Aprendi, no primeiro semestre do curso, que preconceito, mais do que nunca, não deve bloquear a curiosidade necessária a qualquer pessoa, sobretudo aquela que lida com publicidade, jornalismo e audiovisual.
            Em relação à leitura também é preciso ter mente aberta, mas com a atenção devida. Leio “tudo”, de bula de remédio a textos indígenas, poemas da cultura Tupi-Guarani, por exemplo. É impressionante o tratamento dispensado aos fenômenos naturais, à cultura do sagrado, o respeito à natureza. Os povos “primitivos” não leram Edmund Burke, mas sabem que “nunca a natureza seguiu um caminho e a sabedoria, outro”. Essa Mãe universal tem sido minha companhia e mestra nos últimos dias.
            Ontem fui a uma cachoeira, Indaiá, e pude “sentir” a sabedoria e paz expressas na simplicidade das folhas brotando, no pingo que escapa da corrente e molha a flor na margem do rio. A integração com o meio ambiente propicia inspiração e bem-estar. Lavei uma máquina nova, semiprofissional, mas não fotografei nada. O registro ficou na memória mesmo. O vendedor omitiu um detalhe: a importância do cartão; disse que, mesmo sem ele, o aparelho tinha autonomia e capacidade. Para evitar discussão e contratempos, preferi “acreditar” no libanês.
            Esperteza. Não gosto do uso vulgar do termo. Esse atributo parece guiar muitos em suas atitudes mesquinhas e egoístas hoje. Mas aprendi, em Psicanálise, e na vida, que é necessário ser “esperto”. Na “arte da guerra”, é preciso ser estratégico. Maquiavel é leitura obrigatória. A sobrevivência nos move. Há “bons vendedores” passando a perna em muita gente. É ruim quando depositamos confiança em alguém e somos traídos. Apesar de tudo isso, ainda há pessoas que acreditam no ser humano. Meu objetivo é procurar aqueles que ainda não se contaminaram pelo egoísmo. É como achar ouro em garimpo abandonado.
É isso aí. O cartão é baratinho. Amanhã vou comprar um e, em breve, postarei fotos no blog, aproveitando o curso de Introdução à Fotografia. Afinal, o conhecimento passa a ter mais valor quando aplicado à realidade. Sonhos, divagações, ilações, filosofias... Tudo isso é bom. Mas, às vezes, é preciso se despir, livrar-se de toda essa carga, e andar descalço, sentir as pedras reais, o cheiro do mato, o grilo no silêncio da noite. O grilo real.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

As Ilhas Altas

Olhem, pois, meus irmãos, o horizonte marinho. Não perderão nada – o mar é sempre belo quando brilha ao sol, às vezes pula um peixe de prata, num salto sensacional; e todos os navios são bons de ver, até a traineira humilde que reboca um barquinho e vai para o Sul, o madeireiro chato e lento que vem carregado de pinho. Olhem o mar – um dia verão minhas Ilhas Altas, e verão que são belas. Se não as virem, ainda assim olhem o mar – porque ele ensina apenas força e liberdade.
Rubem Braga
“Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”

ABRIGO PROVISÓRIO